quinta-feira, 15 de julho de 2010

Ausência pode custar o cargo à juíza ‘fantasma’

Ela marcava audiências no mesmo horário, em duas varas diferentes

POR ADRIANA CRUZ

Rio - A Corregedoria-Geral da Justiça vai convocar a juíza Myriam Therezinha Simen Rangel Cury e as funcionárias do Tribunal de Justiça Andrea de Lima Guerra e Tarsilla Carla Calvo Chiti para prestar depoimento. Como O DIA mostrou ontem com exclusividade, conhecidas como ‘secretárias’ da magistrada, elas faziam audiências no lugar da juíza. As três podem ser punidas com advertência e até perda do cargo. Em Guapimirim, Myriam chegava a marcar as audiências no juizados Cível e Criminal nos mesmos dias e horários.
Foto: Reprodução

Em nenhuma delas, no entanto, Myriam estava lá: Andrea e Tarsilla conduziam as sessões, como O DIA constatou em 16 de junho. As funcionárias a substituíam nas audiências de instrução e julgamento nos juizados especiais adjuntos Cível e Criminal de Guapimirim. Nessa etapa do processo, testemunhas podem ser ouvidas e até sentença ser proferida. Tarsilla fazia o mesmo no Juizado Especial Cível de Inhomirim, Magé. Com a queixa formal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), a investigação foi aberta.
Fotos: Reprodução

COLETA DE PROVAS

Em Inhomirim, Myriam já foi substituída pela juíza Luciana Mocco.“Estamos na fase de coleta de provas. Assim que terminarmos, ouviremos a juíza e as funcionárias”, afirmou o corregedor-geral da Justiça, desembargador Antônio José Azevedo Pinto. Na representação à Corregedoria, a OAB-RJ pediu que cópia do documento fosse enviada ao Ministério Público (MP) para que Myriam seja investigada por falsidade ideológica e as funcionárias, por usurpação de função pública. O MP vai aguardar as investigações do Tribunal de Justiça.

“Já tivemos um resultado positivo, a juíza foi substituída em Inhomirim”, avaliou o presidente da OAB-RJ, Wadih Damous. O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares Pires, criticou a atuação de Myriam: “Magistrado nenhum pode delegar suas funções a outro servidor. O juiz ao presidir a audiência é responsável até pela manutenção da ordem se houver incidente entre advogados. É lamentável”.

Apontado como um dos melhores criminalistas do País, o advogado Luiz Flávio Gomes é taxativo: “As audiências de instrução e julgamento nos juizados especiais só podem ser feitas pelo juiz. No caso da juíza, pode ser caracterizado o crime de falsidade ideológica”.

Por duas semanas de junho, O DIA acompanhou o trabalho das ‘secretárias’. Neste período, 52 audiências foram realizadas sem a juíza. Nas atas constavam, no entanto, que Myriam estava lá e que proferia as decisões. Mas O DIA filmou parte das audiências em 16 e 22 de junho, sempre com a cadeira da juíza vazia.


Eleito 3º vice-presidente, o desembargador Antônio José Azevedo Pinto assumiu a Corregedoria da Justiça em dezembro por 30 dias em função da licença do então corregedor Roberto Wider. Com o afastamento de Wider determinado pelo Conselho Nacional de Justiça, ele acumula as duas funções e é taxativo: o juiz é o servidor público. Não pode estar fora da lei.

1. O fato de a juíza não estar presidindo as audiências e constar nas atas que ela está presente é crime?
O certo é que audiências e atos judiciais tenham a presença do juiz. É a lei. Agora, nós só podemos caracterizar irregularidade ou outra situação mais grave a partir dos fatos concretos. Tomamos conhecimento do vídeo feito pelo jornal. Providências foram tomadas. Nas investigações, a juíza vai continuar na vara única de Guapimirim.

2. Essa investigação demora quanto tempo?
Temos como princípio fazer a apuração com os envolvidos apresentando toda a defesa possível. Não há pré-julgamento. O relatório será enviado ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça em 60 dias, acredito. Se as pessoas não denunciarem, não contarem o que está errado, ficamos na rotina de inspeção. Há ocasiões em que precisamos ser provocados para instauração de procedimento.

3. É comum um juiz ser da vara única, ter um juizado especial em outra comarca e ser juiz eleitoral, como é o caso da doutora Myriam Therezinha?
É comum e permitido por lei. A carência de juízes é muito grande no estado. Mas não pode ficar uma vara e comarca sem juiz.

4. No caso da juíza Myriam, as audiências de instrução e julgamento dos juizados especiais adjunto cível e criminal eram no mesmo horário. Como ela poderia estar em duas salas ao mesmo tempo?
Cabe ao juiz organizar a rotina. Ele prepara a pauta de audiência e deve fazer de modo que torne possível a conciliação. O juiz não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. Ele tem que estabelecer que dia tal estará em um lugar e dia tal em outro. Ou, no horário de tanto a tanto está em uma vara e, no outro horário, em outra. A presença do juiz é fundamental.

5. Em audiências de instrução e julgamento mesmo sendo juizado especial, o juiz tem que estar?
Especificamente, sim. Isso é fato e não há o que questionar.

(Fonte: O Dia online)

Nenhum comentário:

Postar um comentário